Por Ana Maria Nogales Vasconcelos
A notícia do falecimento de Carmen Miró me deixou muito triste, apesar de saber que ela já estava ausente há algum tempo. Carmen com sua presença marcante e seu jeito contestador (e desafiador, em alguns momentos!!) foi uma mulher, pesquisadora, professora fascinante. Conheci Carmen quando cheguei ao Colegio de México para cursar "la Maestría en Demografía". Desde o primeiro momento, me acolheu com muito carinho, algo não esperado porque ela parecia sempre estar a muitas léguas de distância acima dos pobres mortais, e sobretudo de nós estudantes. Ela era conhecida por sua franqueza, sem muitos rodeios em suas opiniões. Era muito respeitada e pouco contestada.
Quando cheguei ao México, ela já estava encerrando sua carreira na demografia. Ainda que sempre estivesse presente nos congressos e seminários, Carmen, no início dos anos 1980, se aposentou e foi morar em sua querida terra natal, o Panamá. Terra quente, festiva, de muita música e alegria à flor da pele. Contraditoriamente, essa era Carmen. Uma pessoa muito alegre, com muito amor pelos seus estudantes, e preocupada com as trajetórias de cada um.
Ela me acompanhou, me aconselhou durante toda a minha vida acadêmica no Colegio do México (anos difíceis, mas de muito aprendizado!!!).
Tive a oportunidade de reencontra-la nas vezes que veio ao Brasil. A última, em 2004, em Caxambu. Como sempre, almoçamos, jantamos e falamos da família, dos amigos, de saudades!!
Sempre me convidou a visitá-la no Panamá.
Nunca pude cumprir essa promessa. Aqui, o tempo foi um inimigo implacável.
Para lembrar a memória de Carmen, trago um verso do nosso poeta Drummond:
"De tudo fica um pouco".
Ficou um pouco de ti, Carmen, na pesquisa e nas aulas de Demografia, renovando com os mais jovens o interesse pelas questões populacionais.
Carmen, muito obrigada por todos os seus ensinamentos!!!
Por Laura Wong
Escrever honrando a memória de uma grande mulher, demógrafa iconoclasta, como foi Carmen Miró é um grande desafio, pois certamente, muitos já o fizeram. No entanto por pertencer à ala “sênior” da ABEP, mais em razão da idade e menos por outros atributos, quis escrever estas linhas. O faço pensando na ABEP, deixando para outros colegas, escrever sobre o tamanho das lutas desta mulher, abrindo fronteiras.
Embora Carmen tenha influenciado muito a vida abepiana e tenha participado dos Encontros em muitas oportunidades, são dois momentos da vida da ABEP que me fazem liga-la mais, ainda, à nossa Associação.
O primeiro momento tem a ver com a gestação de ABEP, que, até onde dizem os registros, deu-se num momento em que havia necessidade de enfrentar a problemática populacional (leia-se: explosão demográfica); junta-se, a esta circunstância, a existência, planejada, de uma massa crítica de profissionais capazes de entender cientificamente a dinâmica demográfica e contestar a dominante postura neomalthusiana da época.
A reunião que iniciou de forma, talvez definitiva, “o trabalho de parto” para o nascimento da ABEP, ocorreu no Rio de Janeiro, em 1976, segundo informa G. Martine[1]. Foi o Simpósio sobre o Progresso da Pesquisa Demográfica no Brasil. Nesta reunião, entre outras personalidades da demografia mundial, estava nada menos que dona Carmen Miró, e que, à época, comandava o CELADE, estando em pleno vapor o desenvolvimento de uma Demografia Latino Americana crítica. Nas palavras dela, essa Demografia devia ser uma ciência, ao mesmo tempo que independente, comprometida com o desenvolvimento social; ferramenta na luta contra a exclusão.
Não é à toa que ABEP nasceu com essa marca, assim a mantiveram muitos dos seus dirigentes e a fizeram grande. Assim, espero que continue.
O segundo momento é mais pessoal. Num dos Encontros, nos quais o saudoso Daniel Hogan e Sergio Nadalin compartiam comigo a diretoria, ela fez especial referência ao caminho de consolidação no qual estávamos entrando (é provável que tenha sido ao comemorar o 10o aniversário da ABEP). Como sinal da independência intelectual da Associação, Carmen mencionou, expressamente no discurso, o fato de não ter significância para ABEP as peculiares origens não-brasileiras minha e a de Daniel.
Quero ver nestes dois momentos que cito, a forma como Carmen enxergava a ABEP. Como uma associação livre de preconceitos, independente e comprometida apenas com a ciência e com o desenvolvimento social.
Descanse em paz, Carmen, a ABEP que recebeu tantos elogios seus, não perderá seu importante papel na Demografia mundial.
[1] Rev. bras. estud. popul. 22 (2) • Dez 2005 Martine, G. O papel dos organismos internacionais na evolução dos estudos populacionais no Brasil: notas preliminares
Por George Martine
Difícil aceitar que pessoas extraordinárias como Carmen sejam também mortais. Falar na importância dela para a trajetória dos estudos e das políticas de população na nossa região é redundância. Na minha avaliação, poucas pessoas podem ser comparadas a ela em termos de influência nas temáticas, nas abordagens e no próprio desenvolvimento da ciência demográfica na região. Carmen também teve muita influência na trajetória das políticas de população, onde traçou uma linha equilibrada entre as perspectivas ideológicas de uma época conturbada. Esteve sempre muito comprometida com a justiça e o desenvolvimento social, além de ser defensora ferrenha do seu querido Panamá. Tinha uma personalidade forte e destemida para administrar suas obrigações e defender suas perspectivas, mas também era capaz de muita candura e compreensão humana.
No particular, afetou diretamente minha vida, especialmente nos inícios da minha trajetória profissional. Dela veio a minha primeira oferta de trabalho, quando eu era ainda estudante e ela montava o CELADE. (Não aceitei porque queria trabalhar e morar no Brasil). Publicou meu primeiro livro (Formação da Família e Marginalidade Urbana), mesmo sabendo das polêmicas ideológicas que ele suscitaria. Me beneficiei da colaboração, do apoio e da amizade dela enquanto eu trabalhava na CEPAL. Posteriormente, tive a oportunidade de colaborar no projeto CLACSO que ela coordenava desde o México e participar de muitos congressos e eventos em nível regional ou internacional, nos quais a postura e a personalidade dela sempre se faziam respeitar. Tive a honra de estar junto com ela (e o Zé Alberto) num painel que discutia o futuro da demografia latino-americana na semana da criação da ALAP. Nesta ocasião, ela defendia com paixão a expansão da pesquisa e da influência dos estudos demográficos na região.
Por Diretoria da ABEP (Gestão 2021-2022)
Estimada Comunidade Abepiana,
É com grande pesar que comunicamos o falecimento da Dra. Carmen Miró, ocorrido no dia de ontem, 18 de setembro.
Nascida em 1919 no Panamá, teve uma formação ampla em Sociologia, Estatística e Demografia. Chefiou dez anos (1946-1956) o Departamento de Estatísticas e Censo do Panamá, período também em que foi professora da Universidade do Panamá. A partir dessa experiência foi fundadora e diretora do Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (CELADE), o principal centro de formação de demógrafos da América Latina.
Formou gerações de demógrafos, participou de maneira ativa das discussões sobre a dinâmica populacional na América Latina e no mundo. Sempre com uma visão particular e crítica sobre os processos sociais.
Carmen Miró deixa um legado riquíssimo para compreender os processos sociodemográficos ocorridos na América Latina ao longo dos últimos 70 anos. Lembramos com carinho sua participação na reunião de constituição da Asociación Latinoamericana de Población (ALAP), que aconteceu de maneira concomitante ao encontro da ABEP, no ano de 2004 na cidade de Caxambu.
A diretoria da ABEP se solidariza com os familiares e amigos mais próximos de Carmen Miró.
Com um abraço solidário,
Diretoria da ABEP (Gestão 2021-2022)